“Não era verdade. Ele estava a gozar comigo, a brincar com
os meus sentimentos de novo. Mas então olhei-o nos olhos e percebi que era
verdade”
Estava nas Urgências. Com um dedo
partido. Sentado ao lado do Rafael, que tinha também o nariz partido. Desde a
nossa “discussão” que não nos falávamos.
- Desculpa. – disse, finalmente,
Rafael, olhando o chão branco do hospital.
Permaneci calado, curioso para
ver até onde ele chegaria.
- Fui um otário, não te deveria
ter dito aquelas coisas.
- Mas disseste! – disse num tom baixo,
um pouco brusco.
- Eu sei, estava furioso. –
seguiu-se uma pausa – Tu confundes-me.
- Ah, agora eu é que te confundo?
Tens cá uma graça, Rafael. – o tom irónico na minha voz parecia uma faca afiada
a trespassar-lhe o peito.
- Eu… - seguiu-se outra pausa,
mais longa que a anterior – Eu gosto de ti.
Não era verdade. Ele estava a
gozar comigo, a brincar com os meus sentimentos de novo. Mas então olhei-o nos
olhos e percebi que era verdade. Aquele brilho e esplendor era impossível de
imitar.
- Tens a certeza que é desse gostar a que te referes?
- Sim… tentei-me convencer do
contrário mas não consigo. És especial, gosto de ti, gosto de estar contigo,
fazes-me sentir bem. E és rapaz.
- Lá está, “e sou rapaz”. –
repeti.
- Já não me importo se és rapaz
ou rapariga ou se sou heterossexual, homossexual ou bissexual. Eu só sei que
gosto de ti e não me vou esforçar mais a tentar-me convencer do contrário.
Olhei em frente para a parede
branca coberta com panfletos preventivos sobre a Gripe A e a dengue. Ainda não
conseguia acreditar nele, depois de tanta coisa que ele me fez passar.
Ele volta a olhar para o vazio,
calado durante um tempo. Respira fundo e vira a cara na minha direção,
aproxima-se lentamente e beija-me a bochecha.
Sentir os seus lábios quentes na
minha face fez-me esquecer todas as dúvidas. Virei-me e beijei-o nos lábios sem
pudor. Estávamos sóbrios, não havia nada a iludir os nossos sentimentos, era a
mais pura verdade.
Ele afastou-se, olhando para trás
de mim e eu virei-me reparando no homem que se tinha afastado de nós com
repulsa.
- Que se lixem! – exclamou Rafael
ao dar-me a mão, sorridente.
- Rafael, tens a certeza de tudo
isto? Não me magoes, por favor.
- Sim, tenho. Confia em mim. –
disse, acariciando-me a mão. É então que ele olha para a porta das Urgências e
larga-me a mão, subitamente. Sigo-lhe o olhar e reparo que é o pai dele a
entrar. É um homem alto, robusto, bastante parecido com ele.
- Então, as meninas já fizeram as pazes? – disse ele num tom juncoso.
- Pai… - resmungou Rafael.
- Oh, vá lá! Não vão estragar a
vossa amizade por causa de uma rapariga, pois não? Há por aí muitas à solta.
Olhei para o Rafael e este
esbugalhou-me os olhos de modo advertido.
- Exato, raparigas há muitas… -
tentei rir, mas sem sucesso.
- Bem… É melhor ir. Falamos
depois. – deu-me uma palmadinha no ombro e piscou-me o olho. O pai dele
acenou-me, desejou-me as melhoras e partiram os dois.
Fiquei a refletir sobre o que se
tinha passado um bocado até que a minha mãe, recém-chegada de Praga, me veio
buscar para irmos para casa.
Já em casa, no quarto, refleti
sobre toda a minha história com o Rafael: conhecemo-nos no ensino básico,
éramos colegas de turma. Por casualidade tornámo-nos amigos, eu gostava dele,
era engraçado, amigo e especialmente giro. Fiquei mais interessado nele quando
os nossos olhares se começaram a cruzar consecutivamente, era estranho mas ao
mesmo tempo bom para mim.
A nossa amizade intensificou-se
quando entrámos no secundário e passámos a ser melhores amigos, estávamos
sempre juntos a falar sobre nós, sobre os outros, sobre raparigas (até me
ajudou a arranjar uma) e sobre a escola. Assim como a nossa relação, o meu
interesse por ele tinha aumentado e havia certas ações da parte dele, como os
olhares e as aproximações, que me fizeram duvidar da sua orientação sexual e me
punham cada vez mais confuso.
Foi nos anos da Raquel, quando
levei um namorado meu que o Rafael começou a desconfiar de mim. Perguntou à
Alexandra e esta contou-lhe que eu era bissexual. Mais tarde, quando falei com
ele, mostrou-se compreensivo e tolerante, nas suas palavras “cada um tinha
direito a amar quem quisesse”. Com isto tinha subido mais uns pontos na minha
consideração e amizade.
Após a descoberta, as minhas
insinuações para ele tornaram-se mais frequentes com olhares, toques, braços
sobre os ombros, festas no cabelo e abraços, mas em vão. Ele era impenetrável.
Mas agora, tínhamo-nos beijado,
tínhamos dado as mãos e ele tinha dito que gostava de mim. Não conseguia
ignorar a insanidade de tudo isto e a reviravolta dos acontecimentos.
A figura da minha mãe à porta do
meu quarto, interrompeu-me a linha de pensamento.
- Filho?
- Sim, mãe? – levantei-me da
cama, sentando-me na beira.
- Desculpa, não sabia que tavas a
descansar.
- Não estava.
- Queria falar contigo sobre o
que se passou. – disse ao sentar-se ao meu lado – Lutar com o teu amigo por
causa de uma rapariga? Que se passa? – perguntou, preocupada.
Tinha-lhe contado a mesma versão
que o Rafael contou ao pai para não haver confusões.
- Nada, mãe. – suspirei – Está
tudo resolvido agora, foi uma estupidez de adolescentes.
- Filipe, eu sei que o teu pai
não está aqui, mas tens me a mim para falares, para o que precisares.
- Oh mãe… Sabes perfeitamente que
sempre falei mais contigo do que com o pai! Ele só fala comigo quando vem a
Portugal ou eu vou a Londres. Ou quando me dá presentes…
- Filho, não sejas duro com o teu
pai. – advertiu-me – Ele está a trabalhar arduamente para termos uma boa vida
aqui e poderes ir estudar para Londres como sempre quiseste.
- Eu sei, não sou ingrato, mas
custa não o ter aqui. – confessei.
- Todos nós sentimos a sua falta.
Ela levantou-se e deu-me um beijo
na testa, saindo do quarto, despedindo-se com um “Cuida de ti”.
No dia seguinte, ao chegar à
escola, fiquei na paragem do autocarro à espera do Rafael, tal como tínhamos combinado
por SMS na noite anterior.
Cinco minutos depois o seu
autocarro chega e ele sai com o seu look
de sempre, lindo.
- Bom dia. – diz ao chegar ao pé
de mim, a sorrir, meio tímido.
- Bom dia. – respondi sem
expressão, confuso pela maneira como ele estava a agir.
Ficámos os dois imóveis até que a
paragem ficou vazia. Rafael olha para os dois lados e por fim dá-me um beijo ao
de leve nos lábios.
- Desculpa toda esta cena, mas
ninguém sabe que não sou heterossexual, além de ti, e eu prefiro que continue
assim. A minha família não iria reagir muito bem.
- Tudo bem, eu compreendo, só que
podias-me ter avisado sobre o teu pai. Fiz figura de parvo, ontem. – disse,
parecendo um pouco chateado.
- Desculpa, amor. – disse Rafael,
acabando por rir, fazendo-me rir também.
- Vá, vamos para as aulas. – disse,
dando-lhe uma palmada no rabo, algo que sempre lhe quis dar.
- Hum, não sabia que gostavas de
palmadas. – sussurrou-me num tom sedutor, aproximando-se de mim.
- Oh, cala-te! – empurrei-o na
direção da escola.
- Espera! Queria-te perguntar uma
coisa.
- O quê? – perguntei, temendo o
pior.
- Vens dormir a minha casa esta
noite? Os meus pais estão fora e pensei que era a melhor oportunidade para… nos
conhecermos melhor.
Sorri e abracei-o - Claro que
vou!
Combinámos então ir para casa
dele depois das aulas e passaria lá a noite, voltando à escola no dia seguinte
com ele. À hora de almoço falei com a minha mãe e ela aceitou sobre o pretexto
que iria fazer um trabalho com ele e desta maneira seria mais fácil fazê-lo, o
que era em parte verdade.
As horas passavam lentamente,
assim como as aulas, especialmente as da tarde. Quanto mais olhava para o
relógio pior era. E os olhares que trocava com o Rafael não acalmavam a minha
ansiedade.
- O que se passa, Filipe? Pareces
elétrico. – perguntou Raquel a meio da aula de Português, quebrando o meu
contacto visual com o Rafa. Ela já sabia de nós os dois, tinha-lhe contado na
noite anterior, tinha ficado histérica.
- Hoje vou dormir a casa do Rafa.
- Ui, tá-se mesmo a ver que hoje
há festa.
- Oh, cala-te! Achas?
- Até parece que não querias,
Lipe. – disse, sublinhando os elementos sintáticos de uma frase.
- Não sei… Tudo depende do rumo
que a noite tomar.
- Boa sorte, então! –
encorajou-me Raquel.
Finalmente a aula tinha terminado
e corri para fora da sala, acompanhado pelo Rafael. A viagem de autocarro
pareceu tão curta que quando dei por isso já estava à porta da casa dele.
CONTINUA
Muito bom ;) fico à espera da continuação!
ResponderEliminarAbraço
Adorei! ^w^
ResponderEliminarJá estive para te escrever várias vezes a perguntar quando publicavas novos capítulos do conto! :P
Aguardo pelos desenvolvimentos! ;)
ai meu dês!
ResponderEliminaronde isto já vai, xD
estou a gostar, keep going
boa boa! gosto do rumo que a coisa está a tomar!!! :D
ResponderEliminara sério, esta história deixa-me deprimido de como a minha adolescência no ciclo/secundário foi aborrecida!
andas desaparecido! :/
ResponderEliminarOBRIGADO btw ^^
Bem, só li agora e tenho acompanhado tudo desde o início! Sorry. :|
ResponderEliminarIsto vai mesmo muito bem, grandes desenvolvimentos! *.*