“Só me apercebi do que estava a fazer quando ouvi o som do meu dedo e do nariz dele a estalar.”
Não lhe falei o resto do fim-de-semana e quando segunda-feira chegou, a situação repetiu-se, estava farto das indecisões dele.
- Então, como foi o resto da noite de sexta? – perguntei a Filipa enquanto nos dirigíamos aos laboratórios de Química.
- Er… Foi bom, foi bom… - o seu tom de voz era apreensivo.
- Que se passou? Alguma coisa com o Luís?
- Não! Tá tudo bem… Ei, Cláudia! – esta passava por nós quando Filipa a interpelou. - Trouxeste aquilo que te pedi?
- Sim, claro que trouxe! – respondeu a Cláudia até reparar em mim. – Oh, olá Lipe!
E desapareceram as duas no sentido contrário. Algo se estava a passar e eu não estava a perceber nada, ainda por cima pareciam-me nervosas.
- Ouvi dizer que passaste a noite em casa do Rafa… - perguntou a Raquel enquanto vestíamos a bata para começarmos a experiência.
Contei-lhe tudo o que se tinha passado, detalhadamente enquanto misturávamos os reagentes no copo de precipitação.
- Ele é mesmo muito parvo. Parece que tá a brincar com os teus sentimentos. Desculpa do que te vou dizer, mas se ele joga assim contigo, não te merece. Tu esforças-te imenso por ele e ele não reconhece isso.
- Bem, passaste de advogada de defesa para de acusação?
- Não, Lipe. Apenas sei ver quando as pessoas já estão a abusar. E o Rafael não se decide e acaba por te magoar.
- Eu sei disso. Estou farto de o testar e ele continua na mesma, depois quem fica na merda sou eu. Isto tem de mudar.
- Pois tem. – disse enquanto colocava o copo de precipitação em cima da placa térmica. – Já sei! Tu, eu e a Alex vamos sair esta tarde, vamos ao cinema, pode ser que encontremos um gajo giro para ti. Tu precisas é de encontrar alguém que te faça esquecer o Rafael, alguém que te motive, que te ponha feliz. Alguém que te faça seguir em frente.
- Concordo. No próximo intervalo falamos com a Alexandra, de certeza que alinha. Se não encontrarmos nenhum gajo de jeito, ao menos estamos os três juntos e divertimo-nos.
- Eu se fosse a vocês continuava a conversa lá fora porque eu tenho uma aula para dar e esta sublimação tem de acontecer ainda hoje. – disse a professora de Química que se tinha aproximado de nós de sobrancelhas arqueadas, ao aumentar a temperatura da placa.
Como combinado falámos com a Alexandra no intervalo a seguir à aula e ela concordou, entusiasmada.
- Mas não se esqueçam que eu tenho namorado.
- Claro Alex, ninguém vai mandar o teu Tomás à fava. Só tens de nos ajudar a encontrar um gajo bom para o Filipe. Tens namorado mas não és cega,
- Ok, então encontramo-nos depois das aulas na saída.
E assim foi, à hora da saída fui com a Raquel ter com a Alexandra e partimos para o centro comercial onde, antes de irmos ao cinema, comemos um belo hambúrguer recheado de calorias e ketchup.
Dos filmes em cartaz escolhemos o Lua Nova, embora haja uma escassa probabilidade de encontrar rapazes giros (e até não giros) neste filme. Valha-nos que os atores são jeitosos.
Depois de suspirarmos pelo corpo bem definido e quente do lobo apaixonado pela presa do sanguessuga, decidimos dar uma volta à beira Tejo para ver as vistas e inspirar um pouco do cheiro de Lisboa e do rio.
- Sabem? Foi bom combinarmos esta saída, estou farto de estar preso ao Rafael e de só pensar nele e acabo por ignorar as pessoas que realmente me amam. – disse, sorrindo, ao passar com os dedos na barreira de ferro que nos separava da água. Por vezes era salpicado pelas gotas de água que saltavam quando a onda batia fortemente na rocha. Estava frio e o mar inquieto premeditava uma chuva iminente.
Ambas sorriram e deram-me um abraço apertado.
- Aconteça o que acontecer, vamos estar sempre aqui ao teu lado, Filipe. – proferiu a Alexandra contra o meu ombro.
- Somos as tuas melhores amigas. E sabemos que farias o mesmo por nós. – disse Raquel.
Recolhemo-nos no banco mais próximo, afastando-nos de um par de namorados que se estava literalmente a comer em plena via pública e ainda tinham a ousadia de nos lançarem uns olhares reprovadores. Encostámo-nos, sentindo a leve, mas fria, brisa do outono recém-chegado e foi então que reparei no rapaz que estava sentado a poucos metros de nós. Era moreno, tinha o cabelo curto e castanho, os seus olhos eram verdes a combinar com a camisa axadrezada e os ténis, igualmente dessa cor, para contrastar com as calças de ganga que vestia. Estava relaxado, a aproveitar a brisa e a calma para ler um livro, embalado pelas ondas do rio inquieto.
- Ele é bué giro, Filipe. – disse Alexandra ao acompanhar o meu olhar e reparar no rapaz desconhecido.
- Vai lá e pede-lhe o número! Ou o e-mail, ou o Facebook, qualquer coisa! – incentivou a Raquel.
- Tás parva? O rapaz deve ser heterossexual.
E foi então que reparei na capa colorida do livro que ele lia com tanta atenção. Reconhecia-a: Ilha Teresa, de Richard Zimler.
Mas porque raio estaria um rapaz heterossexual a ler um livro sobre uma rapariga portuguesa com tendências suicidas, que se tinha mudado para os EUA, e o seu amigo homossexual brasileiro?
Foi nesse momento que ele cruza o olhar com o meu e vejo aquele bonito verde brilhante a piscar na pupila. Desvio o olhar, mas não resisto ao jogo de olhares e volto a focá-lo e ele reencontra-se comigo. O rapaz sorri, fecha o livro e levanta-se.
É então que ele caminha na minha direção e fico aterrado de embaraço.
- Já leste? – perguntou-me numa voz máscula mas doce, segurando o livro nas mãos.
- Er… Eu, eu já. – o meu gaguejar, causado pelo meu nervosismo, só tornava a situação ainda mais caricata.
- Que achaste? – aqueles olhos verdes perfuravam-me a alma, fazendo-me esquecer como se respirava.
- Bom… Muito bom, gostei imenso. – sorri.
Ele sorri também e tira um papel do bolso e uma caneta. Rasga um bocado de papel e escreve qualquer coisa no verso.
- Toma. – diz, entregando-me o papel com um número escrito. – Telefona-me para partilharmos opiniões sobre o livro.
Pisca-me o olho e segue em direção ao centro comercial.
- Beeem… Estamos a fazer progressos, senhor engatatão!
- Também tenho que começar a ler livros desses. – exclama a Raquel, rindo.
- Que olhos, que pele, que voz… Que rabo! – é tudo o que consigo exclamar ao vê-lo a afastar-se ao longe.
A viagem de autocarro de regresso a casa foi dominada pelas nossas gargalhadas provocadas pelo engate do rapaz de olhos verdejantes.
- Então que acharam do filme? – perguntou a Cláudia ao juntarmo-nos à Alexandra, no intervalo de Matemática.
- Muito fixe, os lobos estavam muito bem-feitos.
- É bué lindo não é? E aquele Taylor Lautner é tão hot, por Deus!
- É, tenho de confessar que o fazia ganir.
- Que porco, Filipe! – exclamou Raquel ao juntar-se a nós. – Então e o rapazinho de ontem?
- Imagina tu que o verso do papel era um talão de supermercado. Parecia que o rapaz tinha falta de preservativos XXL.
- Ao menos era dotado. – disse Alexandra.
- Sim, já toda a gente sabe que gostas deles dotados, Alex. – disse, a olhar para o Tomás que vinha na sua direção para lhe dar um grande beijo, não antes de ela me dar uma cotovelada.
- Deixa lá, há mais gajos por aí. – disse Raquel, confortando-me.
- Sim, porque para fuck buddy basta-me a minha amiga Mão.
- Isso foi nojento Filipe! – diz Filipa num tom de repulsa.
- Ei, Filipa! – Rafael aproximava-se de nós. – Importaste de dizer ao maricas do teu amigo para se deixar de paneleirices e fazer o trabalho de Filosofia comigo? É que caso ele não se lembre, somo um par e eu não quero ter negativa à pala dele!
Só me apercebi do que estava a fazer quando ouvi o som do meu dedo e do nariz dele a estalar.
PS: Desculpem lá a demora, mas estou, em bom português, a fazer render o peixe. Já agora quem tiver curiosidade acerca do livro falado, pode clicar aqui. Aconselho-o é um livro muito bom, adoro os livros do autor.
O rapaz da foto é aquele que eu imagino como sendo o rapaz que abordou o Filipe.
sinto-me dumb.. só agora é que percebi que tu estás a criar a história e não é real :s LOL
ResponderEliminarquem me dera que fosse real!
Eliminartambém fiquei com pena... confesso que tinha sido bom se fosse verdade... sempre me dava esperanças de me acontecer o mesmo lol
ResponderEliminarE fazes tu muito bem! A história está a seguir a bom ritmo, tens mesmo muito jeito para isto! Mal podemos esperar pela continuação :P
ResponderEliminarObrigado!
EliminarBem, estas abordagens românticas e inocentes, como a que aconteceu ao Filipe, começam só a ter lugar na nossa imaginação. Foi um momento bonito. Esperemos agora que o Filipe o contacte!
ResponderEliminarContinua a escrever! :)
Caro Mark, tenho-te a dizer que o "rapaz de olhos verdejantes" ainda vai voltar e vais perceber que ele não é tão inocente assim.
EliminarBom, o rapaz dos olhos verdes é de cair para o lado :P
ResponderEliminarA tua história esta a tornar-se cada vez mais interessante. Next chapter, please...
Abraço.
Wow, estou a adorar. Tens uma escrita fantástica e apaixonante. Fico à espera do próximo.
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