quinta-feira, 14 de abril de 2011

As Faces da Mentira: Capitulo 1 - Quem sou eu?




"Gosto dos dois, de carne e de peixe."

A Lua ainda estava visível quando desci as escadas do meu prédio. Pálida e brilhante, lutando contra o seu inimigo, o Sol, cuja luz já iluminava a rua.
Atravessei a rua e segui em frente em direcção à paragem do autocarro. Viam-se poucas pessoas àquela hora da manhã. O ambiente estava calmo, mas o ar estava húmido, ainda se observava as pequenas gotas de geada nos vidros dos carros. Era, sem dúvida, uma manhã fria.
Passei em frente à minha antiga escola onde tinha passado grande parte da minha vida, onde tinha feito amigos para a vida inteira e onde tinha conhecido a pessoa que mais amava no mundo.
Quando cheguei à paragem reparei que já lá estavam outras pessoas à espera, pacientemente. Era bom sinal, significava que o autocarro estava prestes a chegar. Tirei o Ipod do bolso e meti os headphones. Seleccionei a nova música da Lady Gaga, “Born This Way”, era uma boa música para começar o dia.
Reparei nas pessoas que estavam à minha volta: havia uma velhota vestida de preto com as visíveis rugas de anciã a decorarem-lhe a face cansada. Os olhos eram de um castanho muito escuro que se confundia com o preto da pupila. O cabelo branco emoldurava-lhe o rosto. Era uma típica senhora de idade portuguesa… do século passado. Vestida de preto, atarracada, com um ar cansado. Parecia uma camponesa viúva que tinha passado a vida no campo a trabalhar a terra com as mãos.
Um pouco afastado dela estava um homem na casa dos 50 anos com as mãos nos bolsos. A face, com vestígios de rugas, era sisuda e vermelha como um tomate. Estava vestido de uma forma grosseira que combinava com ele. O homem reparou no meu olhar e imediatamente puxou da gosma e cuspiu violentamente a escarra para o chão. Virei a cara face ao nojo que aquilo me fazia. Era este o retrato de um homem, dito, macho? Porco, feio e mau? Felizmente o autocarro chegou e subi de imediato. Passei o passe e logo me fui sentar num dos lugares perto da porta.
A viagem até à escola foi calma. Depois de eu entrar, pouco a pouco, o autocarro foi enchendo. Jovens de todas as idades apanhavam o transporte para irem para a escola. Nem todos têm a sorte de os papás terem carros para levarem as crias à escola. Eu até tenho essa sorte, mas ambos os meus pais se encontram fora. O meu pai vive em Londres e trabalha como cientista forense nos Serviços Secretos Britânicos e na Polícia de Londres. Raramente falo com ele, só quando ele vem cá a Lisboa de férias ou eu vou lá. A minha mãe é hospedeira de aviação e está constantemente no estrangeiro. Neste momento está numa acção de formação em Praga. Depois ainda havia a minha avó, mas desde a discussão que tivera à quase dois anos com a minha mãe, fizera as malas e partira para o Porto onde vivia na casa da afilhada. Portanto estava sozinho e até nem me importava, gostava de ter a minha própria independência.
Saí do autocarro e desci a rua, seguindo uns colegas de escola. Passei o cartão à entrada e entrei no pavilhão principal, fui à zona dos cacifos buscar os livros necessários para o turno da manhã.
Virei na esquina na direcção da sala de convívio e lá pude avistar um grande grupo ao fundo. Era a minha turma.
- Filipe! – exclamou uma rapariga alta de cabelos aloirados.
- Bom dia Alex. Tudo bem? – disse-lhe dando-lhe um abraço e um beijo na bochecha.
- Tudo. Estava mesmo agora a falar com a Raquel sobre ti.
- Bem me parecia que tinha as orelhas a arder… - sorri.
- Tens sempre as orelhas a arder, Lipe. – uma rapariga pálida de cabelos negros em cachos, tinha-se aproximado, dando-me um beijo na face.
- Bom dia Raquel. Mas afinal o que é estavam a falar sobe mim, isto é, se eu puder saber.
- Eu e a Raquel estávamos a pensar em convidar-te para irmos ao Vasco…
- Hoje, depois das aulas.
- Parece-me bem, eu alinho. Bem agora deixem-me só cumprimentar o resto desta gente.
Dirigi-me ao resto do grupo e logo uma rapariga magra, de óculos coloridos abraçou-me.
- Bom dia Lipe!
- Bom dia Cláudia. – Cláudia era uma amiga que tinha conhecido à um ano, era pequenina e por vezes, extrovertida.
Pessoa a pessoa, fui cumprimentando cada um até chegar ao grupo dos rapazes.
- Olhem só… O Panisgas chegou!
- Bom dia para ti também Lucas – apertei-lhe a mão, sorrindo.
Lucas era meu amigo à quase um ano também, conhecemo-nos no 10º ano e sempre gostei do ar descontraído dele e não só…
Senti uma palmada na nuca e quando me virei vi Luís, o palhaço da turma, com a mão a agarra a cintura de outra amiga minha, a Filipa. Eles amavam-se mas só que não queriam admitir, então mantinham aquela estranha relação.
- Bom dia Pudim. – usei a alcunha que lhe deram para me vingar do calduço e logo me virei para Filipa dando-lhe um beijo nas faces rosadas – Bom dia Filipa.
Senti o olhar de Luís sobre mim e logo me afastei, indo em direcção de outras duas amigas, Vânia e Bianca. Vânia era pequena e querida. Bianca era simpática mas mantinha uma postura forte e imponente, mas por vezes lá se desleixava. Dei um beijo às duas e logo Bianca me segurou os ombros e apontou para a porta, sussurrando-me ao ouvido:
- Aí vem o teu amor!
E lá estava ele. Com o seu estilo irreverente, umas calças brancas, uma sweatshirt rosa e com os fones nos ouvidos ainda a pentear-se vendo o seu reflexo no ecrã do telemóvel.
Ah, sim, ele é um rapaz. Sou bissexual. Gosto dos dois, de carne e de peixe. De rapazes e raparigas. Tinha descoberto acerca de cinco anos que não me contentava apenas com mamas. O coming out tinha apenas ocorrido há um ano quando decidi contar às minhas melhores amigas, a Alexandra e a Raquel. Felizmente apoiaram-me e hoje estou orgulhoso e feliz.
- Boas puto. – disse-me o rapaz que eu amava, apertando-me a mão.
- Bom dia Rafael. – respondi eu tentando respirar, já encantado pelo seu perfume.
A paixoneta pelo Rafael tinha começado há dois anos quando ele entrou na minha turma e tornou-se o meu melhor amigo. As suas atitudes estranhas confundiam o meu gaydar.
A campainha soou. Despedi-me da Alex, da Vânia e da Bianca pois éramos de turmas diferentes. Elas são de Humanidades e eu, nem sei porquê, sou de Ciências. Combinámos um lugar para nos encontrarmos no intervalo seguinte e depois seguimos caminhos diferentes.
A primeira aula do dia era Filosofia, com a nossa Directora de Turma. Até que era simpática e divertida quando não estava de mau humor. Eu gostava dela.
- Bom dia a todos. Antes de começarmos com o nosso querido René, tenho uma informação a dar-vos.
Ouviu-se um burburinho entre a turma.
- Daqui a um mês, segundo o previsto, chegarão os alunos ingleses do projecto Comenius e precisarão de alojamento.
- Vêm rapazes ou raparigas, stôra? – interpelou Rafael com um ar curioso.
- Não sabemos. Mas isso não é relevante Rafael.
- É pois, para que é que eu quero um gajo em casa? Eu cá não sou desses maricas.
As palavras dele magoavam-me, mesmo sabendo que não era por mal, mas porra, ele sabia de mim, podia-se conter um pouco. Tinha-lhe contado que era bissexual no Verão passado. Ele aceitou muito bem, que desde que eu seja feliz estava tudo bem para ele. Não se importava com isso, segundo ele, as pessoas tinham direito a amar quem quisessem, tinham direito a serem felizes.
- Ai, ai essas hormonas, menino Rafael, controle-se! Mas bem… Quem é que se oferece a dar tecto aos recém-chegados? Eles apenas precisam de lugar para dormir, mais nada.
- Eu, stôra. – estendi o braço.
- Como eu imaginara. Muito bem Filipe depois falamos sobre os pormenores quando chegar a altura, ok?
Assenti com a cabeça.
- Mais ninguém? – a turma permaneceu calada. – Ok. Vamos passar ao nosso amigo Descartes, peguem no Discurso, por favor!
- Stôra eu esqueci-me do meu em casa, posso me juntar com o Filipe e com a Raquel?
- Só não te esqueces da cabeça porque está junta com o corpo… Vai lá para o pé deles, mas não os distraias.
Rafael puxou a cadeira e encostou-a à minha, sentando-se depois, colado a mim.
- Vamos onde? – perguntou ele fixando os seus olhos cor de chocolate nos meus.
Pisquei os olhos muito rápido e apontei para o parágrafo que acabara de ler. – Aqui.
Voltei a olhar o texto e continuei a ler. Ele passou o braço por detrás das minhas costas e chegou-se ainda mais perto, ficando a centímetros de mim. Bolas lá se foi a concentração, pensei. É então que ele aproxima a sua boca do meu ouvido e pousa a mão na minha perna, sussurrando:
- Sabias que te amo? – ao ouvir isto, o meu corpo ficou completamente hirto e olhei para ele, levantando a sobrancelha.
- Ya, Rafael, vai gozar com outro. – voltei a olhar o texto.
- É verdade… - disse ele, passando o dedo pelo meu pescoço.
- Rafael, fazes o favor de parar de fazer festinhas ao Filipe? – a voz da stôra irrompeu o silêncio da turma que começara a rir. A mim só me apetecia ter ali um buraco para me esconder.
- Oh stôra, eu não estava a fazer nada. Já lhe disse que não sou desses amaricados. Eu cá gosto é de… - tossiu levemente – … bem, a stôra sabe. – disse ele, afastando-se um pouco de mim.
- Sei, sei. O que eu sei é que devias ganhar juízo. Levar umas boas palmadas para entrar na linha.
Rafael arregalou os olhos de espanto e a Raquel começou a tossir, tentando abafar o riso. Lancei-lhe um olhar reprovador sorrindo logo depois.

( Agradecia que comentassem, dando opiniões e ideias para os próximos capitulos. )

10 comentários:

  1. está fantástico, alex, gosto disso :D

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  2. Quem diria que tinhas assim tanto jeito para escrever! :P [bom, eu já desconfiava, mas ainda assim me conseguiste surpreender]. Adorei. Comecei a ler a primeira frase e, quando dei por mim, já não consegui tirar os olhos do ecrã até ao último ponto final. No teu texto, reparei em algo que acontece muito frequentemente com escritores e até mesmo comigo. Quando um escritor escreve uma história, é inevitável que as personagens tenham uma parte do próprio autor, ou das pessoas que o rodeiam. O Filipe (Lipe, para os amigos :P), está carregado de traços teus, e fui identificando muitas das outras personagens como inspiradas por pessoas que já tinhas mencionado no teu blogue. Mas isso não é uma coisa má, de todo! Pelo contrário, o leitor acaba por se afeiçoar ainda mais às personagens pois, ao serem baseadas em pessoas reais, acabam por retratar mais fielmente uma pessoa verdadeira e tornam-se mais do que parte de um conjunto de frases, tornam-se a vida que é dada à história. E, para além disso, dá oportunidade de conhecer por dentro o autor, ao ter atenção às quase impercetíveis entrelinhas que existem neste texto. É nestas histórias que contamos aos que nos rodeiam de forma indirecta aquilo que não sabemos como dizer de forma directa e frontal.

    Quanto ao conteúdo da história em si, adorei o conceito e estou ansioso por ver como vai correr ao Filipe ter um estrangeiro em casa :P

    Este testamento todo para dizer que adorei a forma como escreves, não tenho nenhum defeito a apontar e fico à espera de um próximo capítulo :P

    Cheers! =D

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  3. O Rafael é o Tuga, presumo...
    Puto, desde que tu queiras, tu consegues ter o Rafael nas tuas mãos

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  4. Gostaste mesmo da Sneak Peek do album? São apenas metade das musicas mas mesmo assim estava nervoso quando lá coloquei partes das letras. Quais foram as que gostaste mais? Amanha vou meter a letra completa da "Death" no blog, espero que gostes.
    E já agora, escreves muito bem mesmo. Estou à espera de um 2º capitulo :D

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  5. Erik, já tens este blog à algum tempo, no entanto, nunca colocaste um post sobre o título do blog. "Adolescente Bi". Penso que queres dizer que és bi, mas nunca explicaste porque que és bi. Não que tenha que haver uma razão, no entanto, nunca falaste sobre esse teu lado...

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  6. Ola, Excelente Post!
    Mal posso esperar pelo próximo post!!
    O Rafael gosta mesmo de ti?

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  7. Caro .. se procuras bem nos primeiros posts do blogue, já falei várias vezes sobre bissexualidade, incluindo sobre mim mesmo.

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  8. Sim, sim. Mas pergunto porquê não falar mais do assunto?
    Será que a tua sexualidade mudou? Apenas ideias...

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  9. Bem, absorvi este texto da primeira à última palavra! Não pares!

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Váááá, escreve lá no que estás a pensar, vá lááá, não sejas preguiçoso. :x